A VERDADE:
"Uma única coisa falta ao Brasil: temor a Deus! Alguém poderá argumentar que esta resposta é tão primária que sequer merece ser considerada. A receita da vovó também é primária, mas é eficaz contra cólicas e resfriados. Estamos por acaso em condições de desprezar o dia das coisas pequenas?"
A VERDADE EXPLICADA:
No meu primeiro dia de aula, ouvi a professorinha dizer que o Brasil era o melhor pais do mundo. Com voz rouca e um pouco estridente, ela explicou-nos que a grandeza desta terra está toda estampada em nossa bandeira. O verde simboliza a exuberância das matas. O amarelo, o ouro que tem feito a riqueza de tantas gentes. O azul, este céu já cinza de progresso. E finalmente o branco. O que poderia tipificar o branco a não ser a paz? Naquela época eu ainda não sabia que o branco na China era sinal de luto.
Cresci e passei a frequentar o antigo ginásio. Numa aula de História, o professor narigudo garantiu-nos que outros eram os significados das cores do pavilhão nacional. Elas representam as casas reais europeias com as quais estavam ligados nossos imperadores. Diante de sua explanação, maravilhei-me. Aliás, é justamente com o maravilhar-se, conforme ensinou Aristóteles, que começamos a filosofar.
Quer dizer que aquelas cores tão vivas não simbolizam a prodigalidade de nossa terra? Como uma dúvida puxa outra dúvida, fiquei desorientado. E, terá a nossa terra qualquer prodigalidade? Com o passar dos anos, verifiquei que o Brasil, de fato, é uma terra não somente pródiga, mas igualmente farta. Pródiga e farta como os seios da mãe gentil. Possuímos riquezas que sequer imaginamos existirem num mesmo chão. Foi mais ou menos isso que relatou Pero Vaz de Caminha à coroa portuguesa. Oitenta e sete anos após o descobrimento, Gabriel Soares de Souza, em seu Tratado Descritivo do Brasil, falaria de nosso país como uma terra de grandes merecimentos, qualidades e estranhezas.
Em minha lógica incipiente, alinhei algumas premissas. Armei um silogismo e perguntei-me: “Se possuímos tantas riquezas, por que o Brasil não está pelo menos entre os dez melhores países do mundo?” Outra indagação assomou-me o espírito: “Será que possuímos realmente tantas riquezas?”
Não será esse possuímos uma das maiores mentiras desta terra? Se os brasileiros possuímos as riquezas do pais, por que milhões de conterrâneos estão a morrer de fome? Pode haver maior escândalo do que tombar com a barriga vazia numa terra em ininterrupto cio? Onde, conforme enfatizou o escrivão de el-rey, em se plantando, tudo dá? Longe de ser plural de modéstia, esse possuímos é plural de absoluta e inominável miséria. Também não é plural majestático esse possuímos. Nenhuma majestade pode haver onde a plebeíce moral se agiganta e faz-se soberana. Onde a majestade ignora a nobreza da decência.
É justamente neste momento que sou obrigado a perguntar: “O que falta ao Brasil?” Nada lhe falta, tudo lhe falta! Não é resposta contraditória, nem um vazio de ideias. É a nossa realidade! Ilógica; coaduna-se com nada. Sob o prisma de suas prodigalidades naturais, nada falta ao Brasil. Ele tem tudo; sobeja-lhe tudo. Como explicar, porém, tantos confrontos e contrastes num único pais? Se o Brasil tem tudo, por que a maioria dos brasileiros tem nada, e padece fome num solo considerado o entreposto do mundo? Como estava equivocado Pero Vaz de Magalhães Gandavo ao recomendar o Brasil “...como opção de permanência aos que desejarem viver com fartura num clima onde nunca se sente frio, nem quentura excessiva...”
Afinal de contas, o que falta ao Brasil?
Uma única coisa falta ao Brasil: temor a Deus! Alguém poderá argumentar que esta resposta é tão primária que sequer merece ser considerada. A receita da vovó também é primária, mas é eficaz contra cólicas e resfriados. Estamos por acaso em condições de desprezar o dia das coisas pequenas?
Falta temor a Deus ao Brasil. E, se lhe falta esse temor, também lhe falta o maior de todos os princípios. O princípio do saber de que nos fala o sábio em seus Provérbios. Agora, já começamos a perceber que a resposta não é tão primária, elementar ou pueril. Se não possuímos o princípio do saber, como poderemos administrar um pais tão grande como o nosso?
Aliás, nenhum pais pode ser governado sem este princípio que fez de José um dos maiores administradores de todos os tempos. Que sabia José dos jargões que esbanjam nossos economistas? Que sabia do capitalismo e do socialismo? Que sabia das teorias que proporcionam tantos prêmios mas nenhum resultado satisfatório? O hebreu José, porém, estava ciente de que todos os problemas do mundo podem ser solucionados na eficácia daquele princípio de saber. E foi exatamente isto o que ele fez. Apresentou um plano de emergência ao Faraó. Um plano tão simples que qualquer criança poderia compreendê-lo. Graças à sua atuação o Egito foi salvo e a vida, preservada em toda aquela região do globo. Por que os economistas brasileiros não apresentam um plano como o de José? Simples e plausível. Que não seja utopia, mas que não maltrate os sonhos do menino e da professorinha.
Observando a história do Brasil, temos a impressão de que os políticos aprenderam quase nada com José. Uns dizem que a solução está no sistema socialista e apontam Marx e Lenin como os profetas deste século. Outros vaticinam que o liberalismo econômico é a solução. Louvam David Ricardo e enaltecem a Adam Smith. Quando a socialização da economia toma corpo, a inflação cresce e o desemprego aumenta. O gigantismo do Estado torna-se responsável por todos os males. Então, vem mais um pesadelo. Do mesmo brejo de onde subiram as vacas magras, aparecem os liberalizantes. Garantem que com a abertura de nossa economia os problemas todos serão resolvidos. O pobre, porém, continua mais pobre. A inflação mais virulenta. Vê-se logo que a solução não está com os capitalistas nem com os comunistas.
Até parece que as caravelas dos nossos descobridores continuam a singrar sem direção. Quando pensam ter avistado o norte, chega a tempestade. Do alto o marujo não grita: “Terra à vista...” As embarcações não se aproximam da Terra de Santa Cruz nem da Ilha de Vera Cruz. No Monte Pascoal, nenhuma prece é erguida. Parece ainda que estamos ao sabor de vagas e que jamais seremos descobertos. Do tombadilho, não avistamos nenhuma ave profetizando o chão bendito que se avoluma ou a praia que se desenha nas costas já curvadas de tantas promessas.
A bordo, os comandantes traçam mapas e vasculham os céus. O Cruzeiro do Sul lá está. As três Marias, também. Mas, onde está o nosso José? A Ursa Maior não se espanta. E ninguém se habilita a achar o oriente numa bússola já viciada. Todos sabem, no entanto, que é tudo uma questão de princípio. Basta encontrar este princípio para que as coisas melhorem e as velas voltem a inflar. Mas que o vento sopre na medida certa, sem tempestades ou tormentas. Quando o piloto encontrar o leme do verdadeiro princípio, nosso brado será ainda mais retumbante.
Quando a Bíblia Sagrada for colocada em seu devido lugar. Quando os seus ditames forem devidamente considerados. Quando nos apropriarmos do venturoso princípio, o almejado porto estará seguro na intercessão de todos os santos. Do tombadilho, o marujo avistará as aves trazendo as novas de uma terra ainda virgem. No bico de cada pássaro, o verde de uma mata que é toda esperança. E, que o Senhor nos ajude a plantar uma safra de bons homens, para que colhamos alguns Josés. Pois já estamos mais do que cansados de vacas magras e espigas mirradas.
Por: Claudionor Correa de Andrade
(Fonte: MP. 1248/Fev.1991)