A VERDADE:
"Como podemos então formular nossa teologia sobre as religiões? Nós costumamos dizer que as outras religiões são apenas “artimanhas do diabo”, ou apenas “um esforço natural do homem para encontrar a verdade”, ou “forte aproximação do Evangelho”. Se fôssemos relacionar tudo o que sabemos hoje acerca de pessoas de outra fé com tudo o que se encontra nas Escrituras, nossa teologia sobre as outras religiões teria que ser bastante flexível para incluir elementos destas três definições".
A VERDADE EXPLICADA:
Quando falamos acerca de outras religiões, estamos falando de dois terços da população mundial. Uma vez que grande percentagem dessa população é de pobres e famintos, seria supérfluo dizer-se que a pobreza e a diversidade de religiões são dois aspectos importantes que precisamos considerar. Em nossa opinião, entre os dois bilhões que não ouviram falar, ainda, do Evangelho, temos que nos deparar não somente com a situação em que eles vivem, mas também com a religião que eles certamente vem praticando.
Por que encaramos as demais religiões como um desafio?
Em parte é porque elas tem uma visão mundial que conflita com muitos dos nossos pontos de vista, mas em parte também porque ao invés de desaparecer, ou desintegrar-se, como pensavam nossos antepassados, quase todas elas tem crescido em número e cada uma tem pelo menos sua própria visão de como converter o mundo.
De que maneira nós tentamos discutir o “desafio das outras religiões”? Eu acredito que não seja tão fácil assim elaborar estratégias para alcançar os povos de outra fé. Enquanto nos dedicamos a essa ingente tarefa, ou antes que a comecemos, precisamos pensar seriamente sobre as demais religiões em geral. Sua múltipla existência, seu valor numérico, seu esforço e sua resistência à mensagem cristã nos estariam forçando a competir com esta difícil questão teológica, à qual a igreja como um todo no século XX tem sido ineficiente para combater. Precisamos esfriar a cabeça e aquecer o coração. Existem quatro destas questões importantes que podemos explorar resumidamente usando a Bíblia como auxílio para encontrar respostas apropriadas e relevantes.
Qual a nossa teologia sobre as demais religiões?
Os cristãos evangélicos tendem a enfatizar passagens bíblicas que apresentam as outras religiões sob pontos de vista negativos. Mas o Livro de Gênesis mostra uma teologia das nações, na qual Jeová não é meramente um Deus tribal, mas Se identifica com todas as setenta nações. Melquisedeque é descrito como sacerdote do Deus Altíssimo, el Elion e Abraão parece identificar o Deus de Melquisedeque com Jeová quando ele fala de Jeová, Deus Altíssimo, Criador dos céus e da terra (Gn 14.18-22). Este mesmo Deus de Abraão comunicou-Se com um estrangeiro como Abimeleque, em sonhos (Gn 20.6,7). E Jó, que vivia na terra de Uz, talvez durante a época dos patriarcas, não tinha contato pessoal com Jeová (Jó 38.1; 40.1; 42.1). Vários dos profetas tiveram de rever as atitudes de arrogância, superioridade e autossuficiência às quais frequentemente se misturavam às suas convicções de exclusivismo (Am 9.7). Jonas foi um missionário relutante que verificou para sua surpresa que povos de outra fé são mais receptivos para com Deus do que Seu próprio povo (Jn 3.4). E Malaquias estarrece seus ouvintes quando sugere que os sacrifícios oferecidos por seus vizinhos pagãos poderiam ser mais aceitáveis para com Deus do que seu próprio culto, que se mostrava carnal e deficiente (Ml 1.6-14).
Igualmente os discípulos de JESUS descobrem que as suas atitudes com os povos de outras raças e fé precisavam ser mudadas. Em resultado do que aconteceu a Cornélio, Pedro disse: “Reconheço por verdade que Deus não faz acepção de pessoas, mas que lhe é agradável aquele que em qualquer nação o teme e obra o que é justo...” (At 10.34,35). Cornélio se identificou com o Evangelho antes mesmo de ter a experiência da salvação e a palavra “aceitável” (doctos) não significa justificado ou salvo, mas apenas qualifica pessoa de outra religião que tem o temor de Deus em seu coração.
Como podemos então formular nossa teologia sobre as religiões? Nós costumamos dizer que as outras religiões são apenas “artimanhas do diabo”, ou apenas “um esforço natural do homem para encontrar a verdade”, ou “forte aproximação do Evangelho”. Se fôssemos relacionar tudo o que sabemos hoje acerca de pessoas de outra fé com tudo o que se encontra nas Escrituras, nossa teologia sobre as outras religiões teria que ser bastante flexível para incluir elementos destas três definições.
O que dizer das pessoas de outras religiões que nunca ouviram falar do Evangelho?
Eu levanto esta questão aqui, em parte porque sinto considerável insegurança entre os cristãos com as respostas que foram dadas no passado e, em parte, porque muitos dos “liberais” duvidam de que encaremos seriamente o dilema ou sintamos a lógica das nossas respostas.
Em termos simples, a questão é a seguinte: É a salvação apenas para aqueles que conscientes e abertamente professam a fé em Cristo? Estão as pessoas de outra fé, antes e depois da época de JESUS, que não ouviram a mensagem, definitivamente excluídas da possibilidade de salvação?
Colocada nestes termos, a questão nos ajuda a entender porque o presente debate é muito mais complicado do que parece ser. No passado era como se tivéssemos uma simples escolha entre as respostas cristãs tradicionais e o universalismo que diz que todo mundo será salvo. Mas agora o número de opções se multiplicou. O exclusivista crê que JESUS Cristo é o único caminho para a salvação.
O inclusivista crê que embora JESUS seja a final e definitiva revelação de Deus, Sua presença e atividade salvífica podem ser encontradas nas religiões não-cristãs. A salvação oferecida através do Senhor JESUS pode por essa forma ser medida através de outras confissões além do cristianismo.
O pluralista crê que toda religião apresenta caminhos para a salvação, os quais são igualmente válidos e que o cristianismo não se pode julgar o único meio ou o substituto de outros meios.
Todos os que subscrevemos o Pacto de Lausanne afirmamos que a salvação vem unicamente através de Cristo, o que possivelmente nos coloca claramente entre os exclusivistas. Mas eu temo que nós não concordemos inteiramente quando nos defrontamos com as implicações da posição exclusivista quanto àqueles que nunca ouviram falar do Evangelho. Nós todos concordamos em que a salvação é uma insuperável graça de Deus recebida através do arrependimento e da fé.
Alguns de nós insistem que só pode haver arrependimento e fé articulados em resposta à pregação do Evangelho. Outros, porém, sem querer concordar inteiramente com o inclusivista sentem certamente certa atração pelos seus conceitos e creem que Deus deve ter planos particulares para o coração humano e sabe onde há evidência de genuíno arrependimento e fé, mesmo quando não sejam expressos em palavras. Apenas eu espero que possamos reconhecer diferenças dessa espécie ao lado de nossa convicção pessoal de que a salvação não pode ser alcançada a não ser no Nome de JESUS (At 4.12).
E qual o recurso da Escritura quando nos sentimos embaraçados diante dessas difíceis questões? Entre outras passagens, voltamos à promessa de Deus a Abraão de que sua descendência seria tão numerosa quanto o pó da terra, as estrelas do céu e a areia da praia (Gn 13.16; 15.5; 22.17). Eu relembro também como JESUS respondeu à pergunta: “Senhor, são poucos os que se salvam?” Ele recusou-Se a responder em termos numéricos e em contrário fez esta advertência: “Porfiai por entrar pela porta estreita, porque larga é a porta e espaçoso o caminho que conduz à perdição e muitos são os que entram por ela. E porque estreita é a porta e apertado o caminho que leva à vida poucos há que o encontrem...” (Mt 7.13,14).
Dialogar ou não dialogar?
Parte do nosso problema aqui é que o termo “dialogar” significa coisas diferentes para pessoas diferentes. Para alguns, ele simplesmente significa uma conversação entre duas ou mais pessoas, enquanto para outros implica numa particular compreensão para com outras crenças. Para ilustrar esse fato eu quero fazer uma ligeira comparação com a descrição que Lucas fez de JESUS no templo aos Seus doze anos (Lc 2.46,47). JESUS está com alguns dos líderes religiosos, sentado entre eles, ouvindo o que eles diziam e fazendo-lhes perguntas. Seus interlocutores estavam abismados com Sua sabedoria e respostas.
O valor desse encontro para mim está em que Ele mostra a existência de um sincero interesse em dialogar. Então “sentado entre eles” me parece significar colocar de lado meus preconceitos e pôr-me à vontade diante de pessoas de outras crenças. “Ouvindo-os”, me coloca em posição de dar-lhes tempo, para explanar suas razões, ler o que elas escrevem e ver o que elas transmitem. Eu lhes faço perguntas porque eu quero compreender seus pontos de vista e apreciar suas esperanças e seus temores. Eu peço constantemente ao Senhor que me dê discernimento especial que me habilite a descobrir onde temos algo em comum e onde nossas opiniões colidem. Então quando o clima se torna propício e eu tenho oportunidade de falar de JESUS, meu testemunho é: eu espero identificar-me com as suas dúvidas e não somente com as minhas.
Mas o que aconteceu depois, quando JESUS entrou em discussão com líderes religiosos durante o Seu ministério público? Os Evangelhos sinóticos nos mostram os principais motivos em que Ele era questionado e muitos destes parecem ser relevantes em nossa discussão com pessoas de outras crenças. O Evangelho de João, contudo, relata diálogos de flagrante desconsideração que focalizam uma objeção radicalista às reivindicações de JESUS: “Tú, um mero homem te fazes Deus... “ (Jo 10.33). Dessa forma o quarto Evangelho deixa claro que para JESUS, dialogar é mais do que mútua comunicação, porque basicamente aquilo o conduzia para a cruz.
Vemos Paulo dialogando em igualdade de condições com seus contendores em Atenas. Ainda que ele estivesse extremamente penalizado com a idolatria que o rodeava (At 17.16), não começou sua palestra com uma afirmação negativa. Ele não está desprestigiando a sua crença ou tripudiando sobre suas práticas quando descreve os atenienses com “um tanto supersticiosos”. No decorrer do seu discurso ele escolheu suas palavras cuidadosamente, deliberadamente consoantes com os diferentes grupos a quem falava. Ele naturalmente se contrapôs a algumas de suas ideias quando disse: “Sendo nós pois geração de Deus não havemos de cuidar que a divindade seja semelhante ao ouro ou à prata ou à pedra esculpida...” e proclamou sem apologia que Deus “...não tendo em conta os tempos da ignorância anuncia agora a todos os homens e em todo lugar que se arrependam...” Mas ele reconhece a sinceridade do seu culto e sua pesquisa e começa sua pregação dessa forma: “Este, pois, que vós honrais não conhecendo é o que eu vos anuncio...” (At 17.23).
Este modelo de diálogo de JESUS e Paulo me convence de que não faz sentido tentar separar a pregação do diálogo. Eu quero portanto perguntar aos meus irmãos se estamos dialogando com pessoas de outras crenças usando os mesmos argumentos empregados por JESUS e pelo apóstolo Paulo e se com estes exemplos diante de nós há alguma razão para relutarmos em praticá-los.
Qual a nossa pregação para pessoas de outras crenças?
O pedido de oração que Paulo fez aos Efésios no capítulo 6 verso 19, tem especial relevância para a maneira como devemos orar em favor daqueles que professam outras crenças. Quando ele fala do “Mistério do Evangelho”, ele usa o termo musterion que tem conotação com o mistério das religiões do seu tempo. Mas para Paulo a boa nova sobre JESUS não é um mistério a ser propagado somente aos iniciados, mas é um privilégio a ser divulgado no mundo inteiro. E usa então o termo “paresia” oriundo de Atenas com sua tradição de livre pensamento. Então ele está pedindo oração para que ele tenha liberdade de falar destemidamente e que lhe seja dada a mensagem precisa para comunicar as boas novas aos diferentes grupos (Ef 6.19,20).
Mas há outro contexto no qual os crentes coletivamente pedem ousadia e isso aconteceu quando Pedro e João oravam na igreja de Jerusalém. Eles pediam ao Senhor que os livrasse do temor e lhes desse ousadia para falar. “Concede aos teus servos que falem com toda ousadia a tua palavra...” (At 4.19). Ao mesmo tempo eles sentiram que suas palavras não seriam suficientes e pediram ao Senhor que agisse por Sua própria soberania e poder, “...enquanto estendes a tua mão para curar e para que se façam sinais e prodígios pelo nome do teu Santo Filho Jesus...”
O que quer que pensemos acerca da chamada Questão Carismática, eu confio que todos reconheçamos a especial influência da oração dos apóstolos em nossa oração pelas pessoas de outras crenças. É frequente uma especial demonstração de Deus através de JESUS na conversão de muçulmanos, hindus, budistas e pessoas de outras religiões que aceitam JESUS como Salvador. Se todas as igrejas estivessem orando regularmente conforme os irmãos oraram, duas coisas poderiam acontecer: primeira, empregaríamos métodos e esforços mais adequados para a conversão de pessoas de outras crenças, e, segunda, poderíamos aumentar a nossa confiança e reconhecer a operação do Espírito Santo entre pessoas de outras crenças no sentido de faze-las entender a obra redentora do Senhor JESUS Cristo.
Por: Colin Chapman
(Fonte: MP.1240/Jun.1990)