"As palavras da mulher de Pilatos merecem uma cuidadosa atenção, pois embora ela as julgasse fruto de pesadelo, tratavam-se de uma revelação de Deus".
A VERDADE EXPLICADA:
Uma pesquisa mais acurada na atuação de Pilatos frente ao governo da Judéia parece mostrar que Tibério não se incomodava muito com o modo pelo qual o governador conduzia a nação, desde que ele se demonstrasse um subserviente, pusilânime, sem escolha, capaz de dizer sim e não quando ele ordenasse (Jo 19.12). Seu nome, de origem latina, quase definia o seu caráter: "armado com muito dardo", como querendo significar que Pilatos se utilizava de pequenos argumentos para alcançar o seu alvo. Em muitos casos, as decisões de Pilatos eram regidas pelo maior proveito que pudesse tirar da situação, desde que não se sentisse comprometido com ela (Mt 27.24), mesmo que isso fosse contra a sua consciência (Lc 23.4).
Violência
Os dez anos de governo de Pilatos foram marcados pela crueldade e pelo desrespeito às tradições judaicas (Lc 13.1), e pelo terrorismo, a ponto de haver constantes revoltas e assassinatos (Mt 27.16). A expressão bem conhecido, no texto bíblico citado, dá a entender que os amotinadores eram presos e soltos com frequência para voltarem novamente aos motins, que eram devidos, em muitos casos, à sua dureza contra o povo, em favor do imperador romano e talvez à sua conivência com cobradores desonestos (publicanos, Lc 19.8), além do seu capachismo, querendo ganhar os favores dos seus mandatários. Essa atitude não lhe adiantou muito, pois com a morte de Tibério, foi ele destronado e desterrado, restando-lhe somente os seus inimigos, que ele mesmo fabricara com a sua insídia, e os que também desejavam os favores do imperador, favores que ele impedia com a sua "extrema dedicação".
Seu conceito de justiça deixava muito a desejar, o que se depreende da discussão que manteve com o povo sobre o destino de JESUS. Uma discussão demorada, que, se sugeria algum desejo de libertar o acusado, deixava transparecer que não queria tomar essa decisão por si mesmo (Mt 27.21-23; Lc 23.24). Antes já o havia usado na sua reconciliação com Herodes (Lc 23.7,12). Somente depois do aviso de sua mulher, foi que admitiu que JESUS era justo (Mt 27.24), mas até mesmo neste ato ele demonstrou indecisão e evasiva. Tanto que, antes de entregar JESUS ao povo, mandou açoitá-Lo (Mc 15.15).
Egoísmo de Pilatos
Se Pilatos não tivesse sido o instrumento da História para levar JESUS ao Calvário, ele bem poderia tê-Lo livrado daquele sacrifício, haja vista que em muitas ocasiões O declarara inocente e sem culpa. Além do mais, sua própria mulher, como talvez sempre o fizesse nos muitos casos em que ele se intrometia em questões que lhe poderiam trazer mais notoriedade, poder e lucro, mandara-lhe um aviso para que se eximisse de atuar na condenação do homem que ele chamava justo (Mt 27.19).
Pilatos não convocara nenhum conselho, mas assentara-se, ele mesmo no tribunal, usurpando o direito dos juízes, sendo conivente com os sacerdotes, que haviam iniciado aquela perseguição a JESUS motivados pela inveja. Assim como Saul ofereceu sacrifícios indevidos, no lugar de Samuel, Pilatos sentou-se na cadeira de juiz, achando que poderia resolver o caso. Para ele a coisa daria certo, e ele sair-se-ia bem com o povo e com JESUS. No seu entender, se JESUS fosse libertado, ele passaria à história como o libertador do Rei dos judeus. Mas não demonstrou qualquer conhecimento das leis e das tradições do povo a quem governava.
O aviso da mulher
O aviso que Pilatos recebeu de sua mulher não foi sequer considerado. Ele fez o que não devia, entregando JESUS aos algozes que acirraram ainda mais o povo. Se tivesse ouvido sua mulher daquela vez, levaria deste mundo um crime a menos na consciência.
As palavras da mulher de Pilatos merecem uma demorada atenção, pois embora ela as julgasse fruto de um pesadelo, tratava-se de uma revelação de Deus, para que Pilatos fosse mais cuidadoso. Ela resolveu contar ao marido o que vira em sonho, porque bem conhecia o caráter belicoso e metediço do esposo, que muitas vezes o levava a extrapolar dos seus direitos de governante. Sua atitude fora muito corajosa, tentando livrar o marido daquela armadilha em que os príncipes, os sacerdotes e os anciãos do povo o estavam enfiando e que ele julgara um meio de alcançar mais destaque. O sonho (ou pesadelo) da mulher era fruto de sua preocupação, não somente com o marido, mas também com Aquele homem que ela considerava justo. A mulher de Pilatos bem poderia ter conhecido JESUS não apenas por informações, mas talvez O tivesse encontrado, e visto alguns de Seus milagres.
Pelo menos, para que tivesse tal opinião a respeito de JESUS, seria preciso que tivesse inquirido severamente sobre o Seu modo de viver e Seu caráter.
A dedicação da mulher
O "pesadelo" era uma demonstração de que não estava alheia aos acontecimentos do governo de seu marido, mas que acompanhava todos os fatos. Quem sabe quantos outros pesadelos tivera, devido aos galileus que Pilatos mandara matar, a opressão que ele exercia contra o povo e a sua conivência com ladrões e assassinos. Ela demonstrava amor pelo marido -- com quem estava casada há pelo menos dez anos. Durante o governo de Pilatos, não devia ser este o único conselho que ela lhe dera. Possivelmente fosse mais idosa do que ele e mais experiente, para que se atrevesse a alertá-lo, mesmo estando ele em reuniões decisivas. Por muito menos Vasti, a mulher de Assuero, fora destronada (Et 1.11,12,19). A mulher de Pilatos demonstrava ser:
Ponderada -- Achava que o marido não devia levar todo o peso de sua participação nas questões judaicas. Ele era um governante romano, e não um magistrado judeu. Sua vida era repleta de reprovações e não estava ele em condições de julgar quem quer que fosse.
Ativa -- Ela não ficara como simples espectadora. Seguira cada passo do julgamento de JESUS, até o momento que lhe pareceu propício tomar uma atitude pessoal. Na verdade não podia influir no resultado, mas não se furtara de fazer o que achara correto.
Participante -- Não sabemos se ela teve realmente um encontro pessoal com JESUS ou com Seus seguidores. Mas somos levados a crer que ela se inteirou sobre Ele, a ponto de reconhecê-Lo um homem justo. Talvez, durante todo o dia do julgamento de JESUS, ela tenha procurado saber os pormenores e o andamento do processo a que o nazareno estava sendo submetido.
Honesta -- Estava casada há pelo menos dez anos com Pilatos, e de suas palavras depreendemos a sua fidelidade conjugal e interesse no seu bem estar.
Destemida -- Ela não se intimidou pela presença dos príncipes, dos sacerdotes e dos anciãos, mas, como em outras ocasiões, tentou livrar o marido daquela enrascada. Talvez o seu recado fosse o máximo que ela conseguira transmitir ao marido, esperando que ele procurasse falar com ela e então lhe pudesse dizer mais. Fora um recado objetivo e urgente. Pudesse ela tentar dissuadi-lo mais concretamente, certamente o teria feito.
Crente -- Sobretudo, a mulher de Pilatos era crente. Ao receber por meio do sonho aquela mensagem do Senhor, ela creu na sua veracidade a ponto de impressionar-se o suficiente para alertar o marido. Podemos vê-la ansiosa por transmitir-lhe o fato e vendo fugir-lhe as oportunidades durante o dia inteiro. Sentimos a sua angústia em não poder tirá-lo daquele laço. Com certeza tentara pela manhã, à hora do almoço, pela tarde e não conseguira. A sua esperança era aquele recado, que, para sua tristeza, fora desprezado pelo marido e passado aos que estavam com ele à mesa do tribunal.
Alguém presente àquela reunião, mandara insuflar ainda mais o povo; e certamente foi dessa mesma pessoa que Pilatos ouviu a última provocação: "Se libertas a este, não és amigo de César". Então ela viu o marido pedir uma bacia com água e lavar as mãos diante do povo, como se aquele gesto o pudesse eximir do maior crime que a humanidade assistira através dos tempos. Talvez ela balançasse a cabeça, e desse o marido como um caso perdido. Não sabemos se ela viveu o bastante para ver, anos mais tarde, a sua derrocada total e o seu suicídio.
Esposas abençoadas
Felizmente, em nossos dias, vemos esposas que bem poderiam espelhar a mulher de Pilatos. Pessoas dedicadas, preocupadas, que acompanham o trabalho profissional e ministerial de seus maridos, procurando ajudá-los, orientá-los, segundo a visão de Deus, cooperando com eles para o bom desempenho de suas funções. Devemos crer em centenas e milhares de irmãs, cuja palavra sábia e oportuna foi levada em conta por seus maridos, o que lhes proporcionou uma saída honrosa nas horas mais turbulentas do seu trabalho material ou espiritual.
Fiéis esposas que, desde a sua mocidade conjugal, vem acompanhando a carreira dos obreiros de Deus, lado a lado, ombro a ombro, sugerindo e amparando, como verdadeiras ajudadoras constituídas por Deus.
Oxalá os esposos de hoje sejam mais sensatos do que o antigo governante da Judéia e recebam, na hora aprazada, as palavras inspiradas de suas dignas esposas.
Miguel Vaz
(A Seara nº 228/Mar.1984)
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